«Hoje,
a arca santa e viva do Deus vivo, aquela cujo seio tinha trazido o
seu próprio
Criador, repousa no templo do Senhor, templo não
construído pela mão do homem. David,
seu antepassado e parente de
Deus, dança de alegria (2 Sm 7,14); os anjos dançam em
coro, os
arcanjos aplaudem e as potestades dos céus cantam a sua glória…»
S.
João Damasceno (cerca de 675-749), monge, teólogo, doutor da
Igreja
“Festa da Dormição da Theotokos”
A
última
grande festa do ano litúrgico bizantino (que termina no dia 31 de
agosto) é Mariana: Dormição da SS. Mãe de Deus, Kóimesis no
grego e Uspénie no eslavo eclesiástico, palavras que aludem
justamente ao ato de dormir. E a tradicional representação
iconográfica de 15 de agosto mostra a Virgem estendida no leito de
morte, rodeada para o último sono pelos apóstolos, vindos
prodigiosamente dos lugares onde pregavam o evangelho, tendo ao
centro Jesus Cristo que acolhe a sua alma, representada como uma
menina envolta em faixas e por ele sustentada.
A partir do dia 1º de agosto, o Oriente bizantino prepara-se para a
festa com um jejum (do qual também fala São Teodoro Estudita, morto
no ano 826) e dado que, além da pré-festa do dia 14 de agosto, os
textos litúrgicos falam do trânsito de Maria Santíssima ao céu
até o dia 23 de agosto, pode-se afirmar que este é o mês mariano
dos fiéis ortodoxos.
A celebração dessa solenidade no dia 15 de agosto foi fixada com um
edito do imperador do Oriente, Maurício (582-602), confirmando uma
tradição, sem dúvida, mais antiga. No Ocidente, a festa foi
introduzida, juntamente com outras três festas marianas, pelo papa
Sérgio I, coincidindo as datas de sua celebração. Quanto ao
conteúdo o tropário principal assim sintetiza o mistério:
Tropário
(1º tom)
Em tua maternidade conservaste a virgindade
e em tua dormição
não abandonaste o mundo, ó Mãe de Deus.
Foste levada para a vida sendo a Mãe da Vida,
e por tuas orações resgatas nossas almas da morte.
e em tua dormição
não abandonaste o mundo, ó Mãe de Deus.
Foste levada para a vida sendo a Mãe da Vida,
e por tuas orações resgatas nossas almas da morte.
Logo é posto em evidência o ministério de intercessão que a Mãe
de Deus e nossa desempenha após sua entrada (também corpórea) no
céu. O kondakion do dia, a segunda oração mais repetida, o
confirma:
Kondakion
(2º tom)
Nem o túmulo nem a morte
prevaleceram sobre a Mãe de Deus,
que, sem cessar, reza por nós
e permanece firme esperança de intercessão.
Com efeito, aquele que habitou um seio sempre virgem
assumiu para a vida aquela que é a Mãe da Vida.
prevaleceram sobre a Mãe de Deus,
que, sem cessar, reza por nós
e permanece firme esperança de intercessão.
Com efeito, aquele que habitou um seio sempre virgem
assumiu para a vida aquela que é a Mãe da Vida.
Embora os evangelhos não falem sobre o fim da vida de Maria, existe
uma antiga tradição patrística, com informações provindas
outrossim dos apócrifos, e que está na base do Ofício litúrgico
bizantino do dia 15 de agosto. [...] breve hino extraído da Ode sexta do Cânon da festa, ainda
hoje recitado pelos cristãos de tradição constantinopolitana, cujo
autor é São Cosme de Maiúma:
A ti, o Deus rei do universo,
concedeu coisas que estão acima da natureza,
porque, como no parto te conservou virgem,
assim no sepulcro conservou incorrupto o teu corpo
e com a divina trasladação o glorificou. [...]
concedeu coisas que estão acima da natureza,
porque, como no parto te conservou virgem,
assim no sepulcro conservou incorrupto o teu corpo
e com a divina trasladação o glorificou. [...]
Hino
das Vésperas (São
Germano de Constantinopla)
Vinde de todos os confins do universo,
cantemos a bem-aventurada trasladação da Mãe de Deus!
Nas mãos do Filho ela depositou a sua alma sem pecado;
com a sua santa Dormição o mundo é vivificado;
e é com salmos, hinos e cânticos espirituais,
em companhia dos anjos e dos apóstolos,
que ele a celebra na alegria.
cantemos a bem-aventurada trasladação da Mãe de Deus!
Nas mãos do Filho ela depositou a sua alma sem pecado;
com a sua santa Dormição o mundo é vivificado;
e é com salmos, hinos e cânticos espirituais,
em companhia dos anjos e dos apóstolos,
que ele a celebra na alegria.
Como nos demais textos litúrgicos bizantinos, da maioria dos hinos,
que se repetem há mais de mil anos, se desconhece o nome do autor:
Eis um exemplo tirado ainda do Ofício de Vésperas:
Oh, os teus mistérios, ó Pura!
Apareceste, ó Soberana, trono do Altíssimo
e nesse dia te transferiste da terra para o céu.
A tua glória brilha com o resplendor da graça.
Virgens, subi para o alto com a Mãe do Rei!
Ó cheia de graça, salve, o Senhor é contigo!
Ele que doa ao mundo, por teu intermédio,
a grande misericórdia.
Apareceste, ó Soberana, trono do Altíssimo
e nesse dia te transferiste da terra para o céu.
A tua glória brilha com o resplendor da graça.
Virgens, subi para o alto com a Mãe do Rei!
Ó cheia de graça, salve, o Senhor é contigo!
Ele que doa ao mundo, por teu intermédio,
a grande misericórdia.
Entre os lugares santos venerados em Jerusalém que se relacionam ao
mistério final da vida da Mãe de Deus, não existe somente a
Basílica da Dormição cuidada pelos Beneditinos católicos, mas há
também o Túmulo da Virgem, que está aos cuidados dos ortodoxos,
próximo ao jardim do Getsêmani e onde recentes escavações
confirmam que a sepultura remonta, de fato, à época em que viveu
Maria Santíssima, e pode ter sido o lugar de seu breve sepultamento.
A tradição bizantina, claramente expressa na oração, acredita na
morte e no sepulcro da Virgem, mas também na sua antecipada
glorificação ao céu com o corpo e a alma, à semelhança e em
virtude de quanto aconteceu ao seu divino Filho. Assim começa o
texto próprio das Grandes vésperas do dia 15 de agosto:
Ó maravilha inaudita!
A fonte da vida é posta no túmulo
e o sepulcro transforma-se em escada que leva ao céu.
Alegra-te, ó Getsêmani,
santuário sagrado da Mãe de Deus!...
A fonte da vida é posta no túmulo
e o sepulcro transforma-se em escada que leva ao céu.
Alegra-te, ó Getsêmani,
santuário sagrado da Mãe de Deus!...
A tradição narra que o apóstolo Tomé, tendo chegado atrasado para
o sepultamento da Virgem e querendo rever seu amado semblante, fez
reabrir o túmulo, mas este foi achado vazio e a mesma Mãe de Deus
anunciou, numa visão, que havia ressuscitado e subido ao céu junto
do seu Filho divino.
Se nos textos litúrgicos da festa encontramos várias alusões à
tristeza dos Apóstolos que não verão mais junto deles a Mãe de
Jesus, predomina, porém, a alegria pelo triunfo da Theotókos.
Diz
um hino
das Laudes:
A tua gloriosa Dormição alegra os céus,
faz exultar a multidão dos anjos:
a terra toda exulta de alegria
elevando a ti um canto de adeus,
ó Mãe do Senhor de todas as coisas,
Virgem santíssima desconhecedora de núpcias,
que libertaste o gênero humano da antiga condenação.
faz exultar a multidão dos anjos:
a terra toda exulta de alegria
elevando a ti um canto de adeus,
ó Mãe do Senhor de todas as coisas,
Virgem santíssima desconhecedora de núpcias,
que libertaste o gênero humano da antiga condenação.
A festa da Dormição da Santíssima Mãe de Deus - este nome, como
também a representação iconográfica (visíveis inclusive nos
mosaicos de Santa Maria Maior e Santa Maria em Trastevere, em Roma)
permaneceu comum no Oriente e no Ocidente por mais de um milênio.
O termo Assunção, que provém da França, é bem mais tardio
«comemora um fato e também atualiza a doutrina e projeta sobre a
nossa vida transitória uma luz de eternidade. Esse fato, embora não
relatado pela Escritura, tornou-se realidade na consciência da
Igreja através da tradição. Maria que é mulher e que morre na
terra como todo ser humano, alcança o seu Filho que é Deus e que
está no céu. Ademais, esta mulher que podemos legitimamente chamar
de representante da humanidade enquanto Nova Eva, mulher perfeita
enquanto Pura Mãe de Deus, não perdeu nenhum de seus atributos
naturais, não se abstraiu em alguma alegoria impalpável: ela
permanece Maria. Mas o que ela é, no resplendor do seu ser real, as
festas no-lo desvelam».
Com esta citação de um teólogo russo ortodoxo concluímos,
retomando do Ofício das Vésperas bizantinas uma última invocação:
...Ó imaculada Mãe de Deus,
sempre vivente com o Rei da vida e Filho teu,
reza sem cessar para que seja conservada
e salva de toda insídia do adversário a multidão de teus filhos,
pois nós estamos debaixo da tua proteção
e te glorificamos por todos os séculos".
sempre vivente com o Rei da vida e Filho teu,
reza sem cessar para que seja conservada
e salva de toda insídia do adversário a multidão de teus filhos,
pois nós estamos debaixo da tua proteção
e te glorificamos por todos os séculos".
FONTE:
«O Ano Litúrgico Bizantino» - Madre Maria Donadeo - Ed. AM - S.
Paulo - 1998
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