quarta-feira, 23 de janeiro de 2013


ARTIGO TEOLÓGICO


TEMA: O CONHECIMENTO NATURAL DE DEUS:

O HOMEM EM BUSCA DE DEUS



“Meu coração diz a teu respeito: ‘Procura sua face!’
É tua face, IHWH, que eu procuro, não me escondas a tua face” (Sl 27, 8-9)

Desde que o homem surgiu no cenário da história observamos sua incansável e inquietante tentativa de relacionar-se com a divindade, de buscar uma ligação com o transcendente que se lhe apresenta como “mysterium tremendum et fascinans” (BIRCK, O. 1993).

Foi justamente este movimento de caráter religioso que deu origem às mais diversas crenças e religiões presentes em todas as culturas. Esta realidade leva-nos a afirmar que a religião “[...] enquanto conjunto de conhecimentos, de ações e de estruturas com que o homem exprime reconhecimento, dependência, veneração com o Sagrado” (MONDIN, 1980, p. 248) é algo constitutivo do próprio ser humano, embora saibamos que esta dimensão humana possa ser ignorada, esquecida ou até mesmo livremente rejeitada.

Na verdade foi o próprio Deus quem colocou no coração humano este incansável e inquietante desejo de buscá-lo, como nos recorda o salmista: “Meu coração diz a teu respeito: ‘Procura sua face!’ É tua face, IHWH, que eu procuro, não me escondas a tua face” (Sl 27, 8-9). Também Santo Agostinho em suas Confissões confirma esta realidade ao afirmar: “[...] porque nos fizeste para ti, e nosso coração está inquieto enquanto não encontrar em ti descanso” (AGOSTINHO, 2002, p. 29); ou ainda, conforme o testemunho neotestamentário: “De um só ele fez toda a raça humana [...]. Tudo isso para que procurassem a divindade e, mesmo se às apalpadelas, se esforçassem por encontrá-la, embora não esteja longe da cada um de nós. Pois nele vivemos, nos movemos e existimos [...]” (At 17,26-28).

Fiel à Sagrada Escritura, à Sagrada Tradição e ao legítimo conhecimento filosófico a Igreja em seu ensinamento magisterial reconhece esta realidade afirmando que “o homem pode conhecer certamente a Deus com a razão natural, por meio das coisas criadas (Rm 1,20)” (DZ, 3004-3005; DV, 6); pois “Deus, criando e conservando todas as coisas pelo Verbo (cf. Jo 1,3)” (DV, 3) revela-se ao homem concedendo-lhe um “permanente testemunho de si” (CIC, 54; DV, 3).

Porém, ela não deixa de alertar que “O entendimento humano encontra dificuldades na aquisição de tais verdades, já pela ação dos sentidos e da imaginação, já pelas más inclinações, nascidas do pecado original” (PIO XII, 1999, p. 432). Entretanto a Igreja reconheça a existência de “certas ‘vias” para aceder ao conhecimento de Deus (CIC, 31), ensina igualmente que “deve atribuir-se à sua Revelação poderem todos os homens, mesmo na presente condição do gênero humano, conhecer com facilidade, firme certeza e sem mistura de erro o que, nas realidades divinas, não é de si inacessível à razão humana” (DV, 6).

A Igreja reconhece que “as faculdades do homem o tornam capaz de conhecer a existência de um Deus pessoal. Mas para que o homem possa entrar na sua intimidade, Deus quis revelar-se ao homem e dar-lhe a graça de poder acolher esta revelação na fé” (CIC, 35).


Por Pe. Marcos R. Ferrucci
E-mail: padremarcosferrucci@gmail.com



ABREVIATURAS:
CIC - CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA
DZ -  DENZIGER
DV - DEI VERBUM


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
BIRCK, Bruno Odélio. O Sagrado em Rudolf Otto. Porto Alegre: Edipucrs, 1993.

MONDIN, Batista. O homem, quem é ele? São Paulo: Paulus, 1980.
AGOSTINHO. Confissões. São Paulo: Martin Claret, 2002.
DENZIGER, Hünermann. Conpêndio dos Simbolos, definições e declaração de fé e moral. São Paulo: Paulinas/Loyola, 2007.
Catecismo da Igreja Católica. Petrópolis: Loyola, Ave-Maria, Paulinas, Paulus. 1997.
PIO XII. Humani Generis. In Documentos. São Paulo: Paulus, 1999.
Dei Verbum. In: Documentos do Concílio Vaticano II. São Paulo: Paulus, 1997.
ARTIGO TEOLÓGICO
TEMA:  “O JESUS HISTÓRICO E O CRISTO DA FÉ”


A partir da segunda metade do século XX podemos observar a cisão entre o Jesus histórico e o Cristo da fé, principalmente com o avanço da pesquisa histórico-crítica que tornaria a figura de Jesus cada vez menos clara e em evidente contradição com a apresentada pela Igreja: a reconstrução da figura de Jesus será apresentada,

desde o revolucionário anti-romano, que trabalha pela queda dos poderes constituídos e fracassa, até o manso moralista, que tudo aprova e que assim, [...], acaba ele mesmo por moralmente se afundar” (RATZINGER, 2007, p. 10).

O teólogo protestante Adolph Von Harnack, por exemplo, querendo apresentar a figura do Jesus histórico em contradição com o cristianismo tradicional chegou a afirmar que a Igreja exige que os fiéis aceitem crenças a respeito de Jesus, como, por exemplo, sua divindade e a sua união hipostática, que não fazem parte da essência do cristianismo, ao invés de anunciar a verdadeira e simples mensagem de Jesus, que desviando a atenção de si mesmo apontava para Deus como Pai (LOEWE, 2000).

Schweietzer, por sua vez, consciente de que a pesquisa histórica alimentava a dúvida hermenêutica a respeito da verdadeira figura de Jesus, tentou solucionar o problema afirmando que “não é o Jesus conforme historicamente conhecido, mas o Jesus espiritualmente ressuscitado dentro do homem que é importante para o nosso tempo” (SCHWEIETEZ apud LOEWE, 2000, p. 44).

Rudolf Bultmann concorda e aprofunda a opinião de Schweietz afirmando que a busca pelo Jesus histórico demonstrou-se uma tarefa impossível de ser executada, pois segundo ele, os Evangelhos estão de tal modo permeados pela fé da Igreja primitiva -  profundamente marcada por uma mentalidade mágica e mítica - que torna-se impossível chegar ao Jesus histórico (LOEWE, 2000).

Desta forma, enquanto para Harnach o ideal seria chegar ao Jesus histórico, às ipsíssimas verba Christi, a facta bruta, para Bultmann isto não é possível e muito menos importante. Para ele o importante não é chegar ao Jesus histórico, mas que façamos a nossa hermenêutica a respeito de Jesus.
Na verdade como afirma o teólogo alemão Joseph Ratzinger,

quem lê várias destas reconstruções, umas ao lado das outras, pode rapidamente verificar que elas são muito mais fotografias dos autores e de seus ideais do que reposição de um ícone, entretanto tornado confuso (RATZINGER, 2007, p. 10).

Todavia não se pode negar a importância desta problemática para a teologia contemporânea, principalmente pelo fato de que ela não tem se restringido ao puro âmbito da pesquisa teológica, mas nos nossos dias tem atingido cada vez mais a catequese e a pregação, de forma que,

muitos homens e mulheres do nosso tempo e muitos jovens em particular perguntam-se se podem reunir-se à confissão de fé da Igreja sobre Jesus Cristo, Senhor e Filho de Deus (SESBOÜÉ, 1997, p. 20).

Sem dúvida alguma a utilização do método histórico-crítico na pesquisa dos Evangelhos tem se demonstrado um instrumento irrenunciável e a crise atual a respeito da figura de Jesus não pode ser debitada à utilização do mesmo, caso contrário, dever-se-ia afirmar que a fé é irracional e que os Evangelhos estão privados de qualquer grau de historicidade, o que seria então inadmissível, “pois é essencial à fé bíblica que ela se refira a um acontecimento realmente histórico” (RATZINGER, 2007, p. 12).

Em resposta à “crise a respeito da figura do Jesus histórico” deve-se ter bem claro que o método-histórico crítico é um eficaz instrumento de explicação dos dados históricos das Escrituras, “mas não esgota a tarefa da explicação para aquele que vê nos escritos bíblicos a única Sagrada Escritura e que acredita ter sido ela inspirada por Deus” (RATZINGER, 2007, p.13).

Portanto, não  se deve excluir o método histórico crítico, enquanto valiosa ferramenta científica, mas partindo dele, e respeitando seus limites, abrir-se aos critérios da chamada “exegese canônica, cuja intenção consiste em ler os textos individuais no conjunto da única Escritura, onde todos os textos particulares acendem a uma nova luz” (RATZINGER, 2007, p. 14). Pois, só assim será possível solucionarmos a crise entre o Jesus histórico e o Cristo da fé, de forma que se reconheça que a figura de Jesus apresentada pelos Evangelhos é a autêntica figura histórica de Jesus, a “mais lógica e historicamente considerada mais compreensível do que as reconstruções com as quais fomos confrontados nas últimas décadas” (RATZINGER, 2007, p. 17).

Por Pe. Marcos Roberto Ferrucci

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
RATZINGER, Joseph. Jesus de Nazaré. São Paulo: Planeta, 2007.
SESBOÜÉ, Bernard. Pedagogia do Cristo. São Paulo: Paulus, 1997.
LOEWE, William P. Introdução à CristologiaSão Paulo: Paulus, 2000.