Grávida em estado de “morte cerebral”
(desligamento do ventilador causa morte da criança em
gestação)
Por Pe. Luiz Carlos Lodi *
Em 26 de novembro de 2013, Marlise Muñoz, 33 anos, foi
encontrada inconsciente no chão da cozinha de sua casa em Haltom City
(possivelmente por causa de uma embolia pulmonar) e levada por seu marido Erich
Muñoz ao Hospital John Peter Smith, na cidade de Fort Worth, Texas, Estados
Unidos. Os médicos constataram duas coisas: que Marlise Munõz estava
“cerebralmente morta” e que estava grávida de um bebê de 14 semanas. Erich
pediu ao hospital que desligasse o “suporte vital” de sua esposa. Os médicos se
recusaram, alegando que, segundo uma lei do Texas, “ninguém pode retirar ou
suspender o tratamento de suporte vital... de uma paciente grávida”[1]. Erich
recorreu então ao Tribunal Estadual. Os verdadeiros motivos de Erich parecem ter
sido eugênicos. Segundo seu advogado, a criança (“feto”) teria sofrido alguma
lesão devido à privação de oxigênio de sua mãe: os membros inferiores estariam
deformados, haveria acúmulo de líquido no crânio e, provavelmente, problemas
cardíacos[2]. Isso explicaria a pressa em desligar o respirador da mãe antes
que o bebê atingisse a maturidade suficiente para sobreviver após ser extraído
por cesariana.
Em 24 de janeiro de 2014, o juiz Judge R. H. Wallace Jr.
determinou que o Hospital deveria desconectar o suporte vital de Marlise Muñoz
até as 17 horas do dia 27 de janeiro. O argumento da decisão é que a lei não se
aplicava a pacientes “mortos” como Marlise. Às 11h30min do dia 27 de janeiro, o
hospital cumpriu a ordem judicial, que teve como consequência a morte da
criança, já com a idade de 22 semanas.
Segundo Jennifer Mason, diretora de comunicação da
instituição Personhood USA, esse foi o primeiro caso de um aborto forçado no
Texas, ou seja, contra a vontade da mãe, que não havia decidido praticá-lo. Mason
argumenta que Marlise havia optado pela vida de seu bebê, quando estava em
pleno uso de suas faculdades[3].
O problema da “morte cerebral”
Antes de 1968, diz o neonatalogista Paul Byrne, um médico
atestava a morte quando não havia respiração nem batimentos cardíacos nem
resposta a estímulos. Hoje uma pessoa pode ser declarada “cerebralmente morta”
mesmo que o coração esteja batendo e estejam normais sua pulsação, sua pressão
sanguínea, sua cor e sua temperatura[4].
A mudança do critério cardiorrespiratório para o critério
neurológico de certificação da morte ocorreu logo após o primeiro transplante
de coração, realizado pela equipe do cirurgião Christiaan Barnard em 3 de
dezembro de 1967 na Cidade do Cabo, África do Sul. No mês seguinte reuniu-se nos
Estados Unidos um Comitê ad hoc da Escola de Medicina de Harvard para redefinir
a morte como “morte cerebral”. Em menos de seis meses, o trabalho do Comitê já
estava pronto. Seu relatório foi publicado na edição de agosto de 1968 da
Revista da Associação Médica Americana[5], começando com as seguintes palavras:
“A nossa intenção principal é definir o coma irreversível como novo critério de
morte”. Parece, porém, que a intenção última do Comitê era criar um novo
critério de morte que permitisse a extração de órgãos vitais (como o coração,
pulmões ou fígado) de pacientes comatosos conectados a respiradores. Isso
evitaria que fossem acusados de homicídio aqueles que retirassem tais órgãos de
pessoas que tivessem o coração ainda batendo. O novo critério, dito neurológico,
considera a morte equivalente à “parada total e irreversível da atividade
encefálica”[6], ou então, à “cessação total e irreversível de toda a atividade
encefálica (cérebro, cerebelo e tronco encefálico)”[7]. Embora a aceitação do
novo critério tenha sido quase universal, não faltaram nem faltam vozes
dissidentes. Eis alguns problemas:
1º) Não há apenas um, mas dezenas de diferentes conjuntos de
critérios usados para a certificação “da morte cerebral”, cada um menos
exigente que o outro. Segundo Paul Byrne, um paciente poderia ser considerado
cerebralmente “morto” usando um conjunto de critérios, mas vivo usando outro
conjunto.
2º) Os exames e testes atuais, segundo Robert Truog e James
Fackler, não são capazes de verificar a ausência de todas as funções
encefálicas, mas apenas de algumas.
3º) Ainda que houvesse meios de verificar a ausência de
todas as funções encefálicas, isso não significaria que o paciente está morto.
Segundo Alan Shewmon, o encéfalo não é, como se afirma, uma condição necessária
para a existência de um organismo integrado. De um ponto de vista
biológico-sistêmico, diz Rainer Beckmann, não apenas o encéfalo mantém vivos o
coração, os pulmões e os rins, mas também esses órgãos mantêm vivo o encéfalo.
Portanto, o encéfalo não pode ser visto como o elemento absolutamente decisivo
para a manutenção da vida do ser humano.
4º) Não caberia à alma racional, em vez de algum órgão como
o encéfalo, servir de princípio integrador do organismo? Ora, ela está presente
desde a concepção, e não somente após o aparecimento do sistema nervoso ou do
cérebro.
5º) Os pacientes “cerebralmente mortos”, embora sejam
considerados cadáveres, apresentam sinais vitais: respiram (com o auxílio de um
ventilador), conservam o corpo corado e quente, mantêm o coração batendo, os
músculos e nervos reagindo a estímulos, a pulsação e a pressão sanguínea
estáveis.
6º) Quando a incisão é feita sobre o paciente “cerebralmente
morto”, a fim de extrair-lhe os órgãos, frequentemente o “cadáver” reage
movendo-se, franzindo o rosto e contorcendo-se, a menos que previamente seja
aplicada uma droga paralisante. Mesmo paralisado, sua pressão sanguínea e seu
ritmo cardíaco crescem dramaticamente. Segundo Byrne, o coração continua
batendo até que o cirurgião o pare, imediatamente antes de extraí-lo.
7º) Segundo o neurologista Cícero Galli Coimbra, o “teste da
apneia”, que consiste no desligamento do ventilador por 10 minutos, a fim de
verificar se há respiração espontânea, acaba agravando o estado do paciente,
que muitas vezes poderia recuperar-se através de um procedimento simples
chamado hipotermia (resfriamento do corpo de 37°C para 33°C por apenas 12 a 24
horas).
Um cadáver pode gestar uma criança?
Um dos argumentos mais fortes contra o critério neurológico
é o fato de que gestantes declaradas “cerebralmente mortas”, como Marlise
Muñoz, continuam alimentando, oxigenando e protegendo seus filhos. Na Hungria,
outra gestante declarada “cerebralmente morta” foi mantida conectada ao
respirador por três meses (103 dias) até dar à luz por cesariana em julho de
2013, na 27ª semana, uma criança de 1,4 kg[8].
Conclusão:
“Os órgãos vitais individualmente só podem ser removidos
após a morte”, ou seja: somente diante da “certeza moral” de que o indivíduo
está morto, é lícito remover tais órgãos para fins de transplante[9]. A julgar
pelos fatos relatados acima, estamos muito longe de ter a “certeza moral” de
que alguém morreu porque seu encéfalo deixou de funcionar.
Segundo Paul Byrne, Marlise Munõz estava viva até ser
desligado o respirador. A desconexão do aparelho causou, então, duas mortes: a
da mãe (por ser considerada morta) e a da criança (por ser considerada de “má
qualidade”).
Anápolis, 12 de fevereiro de 2014.
* Diretor do Pró-vida Anápolis.
NOTAS
[1]
http://codes.lp.findlaw.com/txstatutes/HS/2/H/166/B/166.049
[2] Cf.
http://www.dallasnews.com/news/20140122-fetus-in-brain-dead-tarrant-woman-distinctly-abnormal-attorneys-say.ece?nclick_check=1
[3] Cf.
http://www.personhoodusa.com/press-release/personhood-usa-opinion-first-forced-abortion-documented-in-texas/
[4] Cf.
http://www.olvrc.com/medical/wanted.html
[5] “A
Definition of Death. Report of the Ad Hoc Committe of the Harvard Medical
School to Examine the Definition of Brain Death”, in “Journal of the American
Medical Association”, 205, 1968, p. 337-340.
[6] RESOLUÇÃO CFM nº 1.480/97, à qual faz remissão a Lei dos
Transplantes (Lei 9434/97, art. 3º).
[7] JOÃO PAULO II. Discurso no 18º Congresso Internacional
da Sociedade dos Transplantes, 29 ago. 2000.
[8] O parto teve que ser antecipado por causa de problemas
circulatórios da mãe.
Cf.
http://www.lifesitenews.com/news/hungarians-welcome-baby-born-to-brain-dead-mother
[9] Cf. JOÃO PAULO II. Discurso no 18º Congresso
Internacional da Sociedade dos Transplantes, 29 ago. 2000
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