sábado, 7 de dezembro de 2013

A IMACULADA CONCEIÇÃO


Proclamação do Dogma da Imaculada Conceição de Nossa Senhora
 
O dia dessa solene proclamação foi de incomparável alegria, jamais esquecido, e deve-se recordá-lo sempre para honra e glória da obra-prima da criação, a Mãe Puríssima do Divino Infante.
[...] O Bem-aventurado Papa Pio IX, fundamentado na Sagrada Escritura e no testemunho constante da Tradição (a transmissão oral passada de geração a geração), e por virtude do Magistério infalível, declarou ser de revelação divina que Maria Santíssima foi totalmente isenta do pecado original, desde o primeiro instante de sua concepção, consignado como está na Bula Ineffabilis Deus, de 8 de dezembro de 1854 [...].
Tal declaração revestiu-se de especial esplendor, pois, ao mesmo tempo que representava uma glória para Nossa Senhora e a Santa Igreja, era também um triunfo sobre o liberalismo e o ceticismo que corroíam a Civilização Cristã, que afrontavam o Vigário de Cristo e os direitos da Santa Sé, naqueles meados do século XIX. Período esse conturbado por revoluções anticatólicas em várias partes do mundo, desencadeadas sobretudo pelos propugnadores do racionalismo, do naturalismo e do anarquismo — inimigos da Igreja, fulminados por aquele Pontífice em diversos documentos.
Foi enorme o aplauso entusiástico que reboou entre os católicos da Terra inteira, porque o singular privilégio da Imaculada Conceição(1) — no qual incontáveis santos, teólogos e fiéis em geral sempre creram desde os primórdios do cristianismo, e ao longo de todos os séculos — por fim era definido como verdade de fé.(2)
Confirmação do dogma
Para esse bendito dia o mundo católico já estava preparado. A Santíssima Virgem, Ela própria, fizera tal preparação: em 1830, recomendara a Santa Catarina Labouré a difusão da Medalha Milagrosa, contendo a jaculatória mundialmente conhecida: “Ó Maria concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a vós.!”(3)
Quatro anos após a proclamação do dogma da Imaculada Conceição, no dia 25 de março de 1858, em Lourdes, Nossa Senhora confirma tal verdade de fé. Quando a pequena vidente Bernadette Soubirous perguntou-Lhe quem era Ela, Nossa Senhora, depois de estender os braços — como se vê na Medalha Milagrosa —,  juntou as mãos à altura do coração e respondeu: “Eu sou a Imaculada Conceição!”
No calamitoso século XX, em Fátima, a Virgem Santíssima recomendou a devoção a seu Coração Imaculado e prometeu: “Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará!”. Era esta mais uma magnífica confirmação do dogma proclamado pelo Bem-aventurado Papa Pio IX no século XIX.
O pecado original
“E [Deus] de um só [homem]  fez [descender] todo o gênero humano, para que habitasse sobre toda a face da Terra” (At 17, 26). Nossos primeiros pais, Adão e Eva, foram criados “à imagem e semelhança [de Deus]” (Gn 1, 26), no estado de graça e inocência, de justiça e santidade; receberam o dom da imortalidade; viviam perfeitamente felizes no paraíso terrestre, e, na ordem da graça, participavam da própria natureza divina. Mas desobedeceram ao Criador e, obedecendo à serpente infernal, ficaram escravizados ao demônio. Em conseqüência desse pecado, os rebelados foram expulsos do paraíso, perderam os dons sobrenaturais que possuíam; de seres angelicais, tornaram-se carnais; ficaram sujeitos a todas as enfermidades e misérias e à morte. Resultado: todos os seus descendentes ficamos maculados, herdamos os efeitos do pecado original, com o qual todos nascemos.(4)
Deus poderia ter abandonado a humanidade nesse estado pecaminoso, mas, por sua infinita misericórdia, quis salvar os homens. Ele asseverou ao demônio, sob a forma da serpente maldita: “Porei inimizades entre ti [o demônio] e a Mulher [Maria Santíssima], entre a tua descendência [os maus] e a descendência d´Ela [Jesus Cristo e os bons]; Ela te esmagará a cabeça” (Gn 3, 15).
Obra-prima de Deus
A fim de que se operasse a salvação do gênero humano, tornava-se necessária uma reparação. Como? Por meio da Encarnação do Filho unigênito de Deus, Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, que viria à Terra reparar a malícia infinita do pecado, padecer na Cruz pelos homens e, com seu sacrifício, redimi-los. Este mistério cumpriu-se por obra do Espírito Santo, com a Encarnação do Verbo de Deus, Nosso Senhor Jesus Cristo. “Eis que a Virgem conceberá e dará à luz um filho, e o chamarão pelo nome de Emanuel, que quer dizer: Deus conosco” (Mt 1, 23) — anunciou tal mistério o Profeta Isaías, sete séculos antes de sua realização (Is, 7, 14).
“Quem é esta  que se levanta como a aurora que surge, bela como a lua, resplandecente como o sol, terrível como um exército enfileirado para a batalha?” (Cant 6, 9). Os exegetas interpretam esse texto como sendo o nascimento da Santíssima Virgem, que, como a aurora, anuncia o nascer do sol — o sol de Justiça, o Salvador do gênero humano que se fez homem para nos salvar. Nossa Senhora, obra prima da criação, é a antítese de Eva. O Magistério da Igreja ensina que a má ação de Eva, associada à de Adão — causadora da ruína da humanidade — foi desagravada por Nossa Senhora, a nova Eva, associada a Nosso Senhor Jesus Cristo, o novo Adão.(5)
Isenção de qualquer mácula...
Em sua qualidade de Mãe de Deus, não seria sapiencial que Ela fosse concebida sem mácula alguma? Ao contrário de todos os seres humanos — que, sem exceção, vêm ao mundo com a mancha original —, não seria possível que Ela fosse a única exceção? Sim, é claro, para Deus nada é impossível. Não convinha que a Mãe do Verbo de Deus fosse, ainda que por um instante apenas, maculada pelo pecado original, portanto escravizada ao demônio. Se tivesse contraído a mancha original, Ela ficaria, mesmo sem culpa própria, sob o domínio do demônio.
Mas, se Nosso Senhor Jesus Cristo veio à Terra para redimir todos os homens, como ensina o dogma da Redenção Universal, em que situação fica Nossa Senhora? Ela não estaria incluída na Redenção, se foi isenta do pecado antes da vinda do Salvador? Ela não precisaria, portanto, da Redenção? Os teólogos ensinam que o privilégio da Imaculada Conceição foi-Lhe concedido em previsão dos méritos que seriam adquiridos por Nosso Senhor e Ela se beneficiou da Redenção antes que esta se consumasse.
“Potuit, decuit, ergo fecit” (Deus podia fazê-lo, convinha que o fizesse, logo o fez). Com este célebre axioma, o beato franciscano João Duns Scoto (1265-1308) concluíra sua exposição, em defesa da Imaculada Conceição, na Universidade de Paris. Foi considerado um brilhante triunfo o fato de ter sintetizado, na sentença acima, as razões do referido privilégio. Deus Todo Poderoso podia criar a Virgem Santíssima isenta de pecado. Ele certamente o queria, pois convinha à altíssima dignidade daquela que viria a ser a Mãe do Divino Salvador, que Ela estivesse livre de qualquer mácula; Ele, portanto, concedeu-lhe tal privilégio. Temos aí o maravilhoso e singular privilégio da Imaculada Conceição.
...na previsão da Redenção
A Santa Igreja ensina que Maria Santíssima foi preservada do pecado original, na previsão dos futuros méritos da Vida, Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ele a pré-redimiu desde o primeiro instante da sua existência, sendo Ela, devido aos frutos da Redenção, criada em estado de inocência original. Sendo concebida sem pecado original, Ela ficou também preservada de qualquer concupiscência (de qualquer tendência para o mal), que é  decorrência da mancha deixada pelo pecado original, sem no entanto ser culpa pessoal. Não é crível que Deus Pai onipotente, podendo criar um ser em perfeita santidade e na plenitude de inocência, não fizesse uso de seu poder a favor da Mãe de seu Divino Filho.
O Doutor da Igreja Santo Afonso Maria de Ligório (1696-1787), em seu livro Glórias de Maria Santíssima, exemplifica de modo muito vivo tal questão: “Suponhamos que um excelente pintor tivesse que desposar uma noiva, formosa ou feia, conforme os traços que lhe desse. Que diligência não empregaria, então, para torná-la a mais bela possível! Quem poderá, pois, dizer que outro tenha sido o modo de agir do Espírito Santo, relativamente a Maria? Podendo criar uma Esposa toda formosa como Lhe convinha, teria deixado de fazê-lo? Não! Tal como Lhe convinha  A fez, como atesta o próprio Senhor, celebrando os louvores de Maria: ‘És toda formosa, minha amiga, em ti não há mancha original’” (Cânt 4, 7)”.(6).
São Bernardino de Siena, famoso pregador popular do século XV, dá-nos outro exemplo igualmente eloqüente: “Nenhum outro filho pode escolher sua Mãe. Mas se a algum deles fosse dada tal escolha, qual seria aquele que, podendo ter por mãe uma rainha, a quisesse escrava? Ou, podendo tê-la nobre, a quisesse vil? Ou, podendo tê-la amiga, a quisesse inimiga Deus? Ora, o Filho de Deus, e Ele tão somente, pôde escolher para si uma mãe a seu agrado. Por conseguinte, deve-se ter por certo que A escolheu tal qual convinha a um Deus. Mas a um Deus puríssimo convinha uma Mãe isenta de toda culpa. Fê-La, por isso, imaculada”.(7)
Na comemoração dos 150 anos do dogma da Imaculada Conceição, e em agradecimento a Deus pelas prodigiosas graças advindas dessa magnífica declaração pontifícia, prestamos nossa humilde homenagem, mediante a propagação da devoção Àquela que é “cheia de graça” e “bendita entre todas as mulheres”(Lc 1, 28).
Nesse sentido, oferecemos a seguir a nossos leitores alguns trechos extraídos do muito bem documentado livro Pio IX, de autoria do Prof. Roberto de Mattei, formado em História Contemporânea na Universidade La Sapienza, de Roma, e titular da cátedra  de História Moderna na Universidade de Cassino. Essa obra, recentemente publicada em português, narra — entre diversos outros fatos da vida do Bem-aventurado Papa Pio IX — os antecedentes da definição dogmática e o solene ato, culminante do pontificado do “Papa da Imaculada Conceição”.
 
Por fim, apresentamos também aos caros leitores substancioso artigo da lavra do líder católico brasileiro de projeção mundial, Prof. Plinio Corrêa de Oliveira,  redigido para Catolicismo, por ocasião do centenário dessa definição dogmática.
Predileção pelo Brasil
Não poderíamos encerrar esta introdução sem lembrar a honra obtida pelo Brasil, de ter como Padroeira e Rainha Nossa Senhora da Conceição Aparecida (vide Catolicismo, setembro p.p.). Conceição que lembra justamente o privilégio da concepção sem mancha, de que ora tratamos.
Ademais, outra imensa honra para nosso País, obtivemos pouco tempo após o Descobrimento: “Em 1549, chegou ao Brasil o primeiro Governador-Geral, Tomé de Souza, cuja esquadra trazia em sua nau-capitânea a Imagem de Nossa Senhora da Conceição. Em Salvador, então capital da colônia, foi edificada próxima ao porto a primeira capela. Nesse pequeno templo religioso, passou a ser venerada a Imagem, e por causa de sua localização era a primeira a ser visitada por todos os que chegavam de viagem. A igreja primitiva foi demolida no século XVIII, para dar lugar a outra, bem maior, cujas paredes foram constituídas por pedras artisticamente esculpidas em Portugal e de lá trazidas para Salvador”.(8)
Rogamos a nossa Augusta Padroeira e Rainha, concebida sem pecado original, que, na atual quadra da História do Brasil, açoitado por tantas borrascas, nosso País corresponda a tão maternal predileção. Que Ela conceda, especialmente a todos seus filhos brasileiros, uma admiração enlevada por sua pureza imaculada e um horror a qualquer forma de pecado.
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Notas:

1. “Imaculada Conceição: Significa que, desde o primeiro instante de sua concepção, a Bem-aventurada Virgem Maria possuía a justiça e a santidade ou graça, com as virtudes infusas e os dons do Espírito Santo, e a integridade da natureza” (Cardeal Gasparri, Catéchisme Catholique, Nazareth, Chabeuil (Drôme), 1959, p. 73).

2. Dogma, ou seja, as verdades nas quais todos católicos devemos crer.

3. Vide Catolicismo, nº 647, novembro/2004, p. 36.

4. Nascemos com o pecado original, que herdamos de Adão e Eva, mas dele somos remidos com o Batismo. O Catecismo citado na nota 1 assim define em que consiste esse sacramento: “É um sacramento instituído por Nosso Senhor Jesus Cristo sob a forma de ablução [ato de lavar-se]. Por esse sacramento o batizado torna-se membro do Corpo Místico de Cristo, que é a Igreja; ele obtém a remissão do pecado original e de todos os pecados atuais [quando o batizado é adulto] que tenham sido cometidos, bem como de toda a pena devida; enfim, ele torna-se capaz de receber os outros sacramentos. [...] O Batismo é necessário a todos para serem salvos, pois, segundo a palavra de Jesus Cristo: ‘quem não renascer da água e do Espírito não poderá entrar no Reino de Deus’ (Jo 3,5)” (Cardeal Gasparri, op. cit., pp. 192 e 196). Além do batismo de água, a Igreja ensina a existência do batismo de sangue (pelo martírio) e o batismo de desejo, aplicado aos pagãos que, não tendo meios de conhecer a Igreja, entretanto praticam a Lei Natural e desejariam receber o batismo se o conhecessem.

5. “Por ter dado crédito à serpente, Eva acarretou maldição e morte ao gênero humano. Maria acreditou nas palavras do Anjo, e obteve que aos homens viesse bênção e vida. Por culpa de Eva, nascemos filhos da ira; por Maria recebemos Jesus Cristo, que nos regenera como filhos da graça” (Catecismo Romano, Ed. Vozes Ltda., Petrópolis, 1962, p. 103).

6. Santo Afonso Maria de Ligório, Glórias de Maria Santíssima, Ed. Vozes Ltda., Petrópolis, 1957, p. 199.

7. Op. cit., p. 194.

8. Catolicismo, nº 327, março/1978, p. 2

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